http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2205200527.htm
PÉ SOBRE RODAS
Segurança, calçadas ruins e sedentarismo são motivos para usar veículo mesmo em distâncias pequenas
"Dependente" usa carro até para ir à esquina ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
A publicitária Manoella Kurre, 27, bem que poderia ir a pé a alguma das pizzarias localizadas a poucos metros de seu apartamento -uma delas, em frente. Mas, como muitos, faz questão de pedir por telefone pela entrega.
Ela não se contenta com os serviços de "delivery" tão comuns. Quando a pizza chega, ela evita caminhar cem metros até a portaria do edifício -desce de elevador e vai de carro pela garagem.
"Meu carro é um pedaço do meu pé", diz a publicitária, moradora da Vila Leopoldina (zona oeste de São Paulo). Ela não costuma andar para ir à drogaria, a 400 metros de seu condomínio ou à manicure, a 50 metros.
"É mais cômodo, mais fácil e mais seguro dentro do carro. Na rua, passo calor, passo medo e a calçada é ruim. Não sou preguiçosa. Na academia, já ando quase todo dia. Lugar para fazer exercício é lá", explica Manoella, que, "é claro", diz ela, nunca foi a pé para a academia, distante 400 metros.
A publicitária é uma das pessoas "dependentes" de carro, que fazem dele uma extensão do corpo. O hábito, comum entre jovens, vai na contramão do que pregam especialistas em transporte e mobilidade -não somente em razão dos danos sociais causados por esse modo de transporte individual, como poluição, congestionamentos e acidentes mas também pela importância de caminhar para uma vida saudável.
Sedentarismo
Os motivos que levam alguém a tirar um veículo da garagem para ir até a esquina são diversos: sensação de insegurança, deterioração da área pública, sedentarismo nem sempre consciente e valorização cultural do automóvel.
"Um quarteirão que ando e já estou morrendo de tão cansada", afirma Lara de Biasi, 19, estudante da Faap, no Pacaembu, que não abandona seu automóvel para ir à faculdade ou à academia, a cinco quarteirões de distância.
"O pior é que eu ainda pago para estacionar. Faço de tudo para ir de carro. Sei que faz mal, mas me irrita muito. Quando fui a pé, deu dez minutos de caminhada. Cheguei com muita sede", disse.
Vinda de Novo Horizonte (429 km de SP) para a capital paulista há dois anos, Biasi conta que gastava R$ 350 por mês com táxi -incluindo os R$ 6 de cada viagem até a Faap- antes de ganhar um carro da mãe.
"Sou sedentária mesmo. Pego elevador para subir dois andares na faculdade, sempre demora um tempão e sempre chego atrasada", relata a estudante, que diz ter a fama de "folgada" entre as colegas.
Um detalhamento da última pesquisa OD (Origem/Destino) do Metrô de São Paulo de 2002, aponta que, entre os moradores da região metropolitana com renda de até R$ 400, 62% das viagens acima de 500 metros eram feitas a pé, índice que era de 15% entre quem ganhava mais de R$ 6.000.
A explicação está na própria condição econômica para ter acesso a esse modo de transporte.
Simpatizantes
O ódio de andar a pé reuniu simpatizantes no Orkut (grande comunidade virtual da internet).
"É horrível quando você tem que ir a pé todo dia ao trabalho ou ao colégio, só com a desculpa de que é perto. O pior é que eu acho que os primeiros metros são sempre os piores", escreveu Alessandro Ferreira de Andrade, 25, engenheiro eletricista de Brasília.
Ele reclama da demora e do cansaço para caminhar, mas, à reportagem, não se diz um radical.
O estudante Pedro Henrique Dantas Fávero, 18, também morador de Brasília, conta que sua dependência foi ao extremo. "Já peguei meu carro para ir de um bloco ao outro dentro do meu condomínio, numa distância de 200 metros. Cheguei ao ponto de dormir dentro do carro numa noite em que cheguei muito tarde para não precisar andar até o meu apartamento e voltar no outro dia bem cedinho. Foi a partir desse dia que percebi que estava ficando maníaco", disse, ressalvando já estar mais disciplinado.
"Ele odeia andar até a escola. E olha que a escola fica a três quadras de casa. Pode ser por causa do calor, mas tem uma pitada de preguiça mesmo", diz a economista Christina Ferreira, 38, que vive em Manaus, cujo filho criou uma das comunidades no Orkut.
O estudante de fisioterapia Carlos Eduardo Rocha vê na "péssima estrutura para andar a pé", como a falta de calçada, um desestímulo. "Além da rapidez, do conforto, do ar-condicionado, no carro você evita aglomerações."
O mecânico Diego Lazzaroni, 24, morador de Volta Redonda (RJ), não se considera "dependente" de carro, mas acha perda de tempo ir a pé. "Hoje de manhã fui à academia de carro, a cinco minutos de casa, mas eu tinha que levar meu pai à rodoviária. Já fui de carro e, quando cheguei em casa, parei na rua para esperar meu pai", justificou-se.